2022, Setembro, 21 – Estou em face de um poema branco. Junto à parede um pequeno candeeiro ilumina os livros alinhados nas estantes. Pendurada na lateral de outra estante está a estrada da vida simbolizada por um ramo do dia da espiga e um pedaço de pão. Escrever é uma angústia obscurecida pela solidão. Mas não é possível escrever fora da solidão. O poema branco. Chegar à inexistência e subir. As palavras possíveis, e as ideias antes delas, declinam no meu espírito, espelho sem imagem. Até considerar que estão certas, as palavras. Um sacrifício ao seu apelo. A poesia não é apenas um sentimento, uma inspiração, uma duplicidade da Natureza – não é sobretudo isso, nem a palavra vulgar sangue. Trabalho da linguagem num sentido ontológico. «Nada pior do que a desvirtuação tecnicista da essência da arte, a pretensão estética da técnica por si mesma, a sobreposição do lance técnico ao lance estético. No caso da poesia também.»[1] Não aparecer. O silêncio indecifrável. A lâmpada do candeeiro sobre a mesa de trabalho reflecte-se no vidro da janela contra a escuridão. Preciso de ir ver o mar novamente, sofrer-lhe a luz. Descer as escadas até à praia. André Malraux diz, algures em A Condição Humana, pela boca de Kyo, uma das personagens, que cada um assemelha-se à sua própria dor.
[1] Sousa Dias, O que é poesia, nova edição aumentada, Lisboa, Sistema Solar (Documenta), 2014, p.59.