Diário, 256

para a M.J.S. (in memoriam)

2023, Abril, 26 – … penso-me, sob os milénios do sol, no centro da elipse da claridade, nas minhas mãos a revolver a terra fria, perante o intraduzível de uma metafísica vulgar que as palavras, esgotadas de variações significativas, traem de forma simples a favor de demónios oníricos deixados à sua sorte… fragmentos de um insondável afogado por vocação no silêncio intransponível onde o arcaboiço da vida tem o esplendor carmim do sistema venoso na direcção do seu abandono natural… penso-me perante a imobilidade das coisas ao meu olhar, na esperança momentânea de uma asa imponderável de eternidade, perante a noite, perante… penso-me nos mortos que me tocam… mas o que é a noite, a morte… um umbral de lírios trespassados pelo corpo espectral do recomeço a que o desejo confere uma derradeira forma semelhante, feita da ideia construída de duas terras que os fantasmas da noite crivam de verdade… pequenos pássaros que ensaiam voos em movimentos quase aleatórios na manhã… o rio nocturno, plácido, sob o preço das duas moedas para a barcaça alva de Caronte, que liga as duas praias… penso-me no mistério incerto que advém do caminho e das suas conclusões, penso-me sem me pensar… e assim tudo o mais… como as razões injustas de um horário errado…

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