Diário, 270

2023, Setembro, 25 – Em breve o Outono, o seu ocasional excesso de luz ardente para além das formas discricionárias que o horizonte adquire num contraste violento onde abrem doces reflexos de suavidade que, todavia, anunciam o começo da desertificação das árvores, o murmúrio corrente das horas cada vez mais breves do dia, a cinza pesada e lassa do céu quando aquela luz fica encoberta como se os deuses dela se apossassem, enfim, o excesso da noite, a pacificação do silêncio. Em alguns dias, corroendo a ordem natural da luz e da sombra, a claridade no seu estertor ainda vence, cansada, mas repleta do fulgor da última incandescência do mundo, os passos lentos que a abóbada celeste inspira. Os dias recuam para uma origem que te é desconhecida, e cedes, quando caminhas na melancolia desse tempo em queda. A obscuridade inunda cedo o interior das casas e deténs-te no intraduzível dessa escuridão precoce; é o insondável de ti que assoma, que se confunde com essa obscuridade e não é bem uma forma de melancolia, isso é evidente ao teu espírito, mas uma travessia na direcção de um fim que não tens o poder de imaginar nem de situar; um fim puro, marginal e temporário a que te abandonas sem descortinares o porquê. O fim do dia é-te mais profundo, procuras a mentira de uma explicação, mas ela é vã, nem chega a tomar forma no teu consciente, porque talvez não seja exactamente a explicação o que procuras, mas a razão do desconcerto dolorido em que te vês involuntariamente despido de vontade. Abres as portadas para respirares e beberes a luz que resta. Amas com a mesma ferocidade o dia e a noite por razões diferentes, assim como amas a música enquanto escreves, no território nocturno do encontro de ti, porque o dia é uma razão e a noite uma explicação e o seu conhecimento, ainda que o não saibas a não ser quando tudo toma a forma das palavras, como agora, em que escreves. É essa a grandeza do teu entendimento do Outono, um conhecimento em acordo com as primícias da velhice. Não a lamentes, à velhice, pois de que te serviria tal choro em face do fruto que obteve o seu pleno sabor? Mas sabes que o fruto há-de apodrecer, para além do teu convencimento. Saboreia-o no teu tempo que se guarda da mentira de não saber que outro tempo virá. Chora, enfim, por tudo o que não entendes e te macera o sentido, e por estar fora disso qualquer culpa, mas apenas um ser-se que se abriga do Outono.

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