Amália

Tanto tempo, quando se procura a verosimilhança das palavras. Mas sucede, porém, que tudo aquilo que desperta em nós, tal como acontece com o amor, precisa de uma expressão sublimatória; precisa de “algo” nosso que vá ao encontro do intraduzível e o torne possível ao entendimento. Uma expressão que deslinde o insondável que se instalou em nós e o transforme numa expressão inteligível. Talvez seja preferível, apenas, habitar o silêncio que a sua voz perturba como uma chama sobrenatural e nada mais. Aqui, a saudade é vulgar no sentido do imediato. A sua voz, que é uma certa realidade, encarna uma dimensão do tempo onde a saudade não tem terra onde existir. Esse tempo torna-se volátil, quer dizer, transmuda-se de acordo com as expressões do seu canto diverso. Na sua voz o tempo é uma irrealidade por contraste com a realidade da sua voz. Por outro lado, não é bem uma suspensão do tempo, pois tudo nele ocorre, mas uma materialização do tempo da sua voz fora do que nos habituámos a entender como sendo o “tempo”. E para esta realidade, onde existimos em silêncio, não há verosimilhança.

Imagem: pormenor da capa do disco Cantigas Numa Língua Antiga, com fotografia de Augusto Cabrita, 1977.

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