Diário, 277

2023, Outubro, 18 – Vejo no vidro, contra o fundo da noite, o reflexo do candeeiro no extremo da biblioteca e nisso subjaz uma certa consciência do tempo e da apreensão das coisas que vai adquirindo, ao meu entendimento, a transparência do fim; um véu negro que espera, cumprida que seja a idade do destino. Mas é necessária uma idade para compreender essa ordem do mundo, porque durante muito tempo, insuspeitos disso, apenas nos vemos dentro de uma eternidade que julgamos infalível e do lado das nossas ambições. O tempo, no entanto, vai-se desmoronando e nós, indefesos, nele. Mas sabes, todavia, que até ao impossível de ti realizarás o que te propuseste e que isso representa para ti um sentido do mundo. Então o tempo desmorona-se na razão das tuas decisões; no intocável do tempo, persistes numa sucessão de raras eternidades. A meio da vida, sabes que essas clareiras de eternidade vão esmaecendo na medida da tua lucidez, do recuo da tua pueril ingenuidade. Em lugar disso foi crescendo o que te propuseste, e propões, realizar de uma forma aturada, consciente do tempo necessário para isso, porque tudo começa pela procura da perfeição, que é, em si, uma elevação de ti. O vidro. O vento trespassa a noite, chove a miúdo, não se vislumbra a lua por entre as hastes dos pinheiros.

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