patologia do acaso, diário, 232

2020, Dezembro, 12 – Estes dias de cinza e chuva, imóveis como pedras, suspensos de tudo e de qualquer coisa, que para a noite céleres se transmutam e nela se dissolvem, adquirindo a feição de uma queda interdita a perguntas; estes dias assim pardos, que me enchem os gestos e as veias de uma melancolia espessa parecendo as palavras por ela tomadas. Todas as expressões da chuva minuciosa deste tempo parado e sem resolução contribuem, numa causalidade quase incompreensível, para uma inação que me perturba, mas contrario. Existe neste transtorno do estado do tempo-objecto um cansaço muito antigo que não se distingue da mutação das representações. Em que território se habita quando o tempo se suspende e todo o peso de sermos sujeitos segura o universo? Lembro muitas coisas, mas não é por isso que escrevo. Lembro-me e também não é por isso que escrevo. Escrever é superior aos objectos, aos outros, porque lhes confere os nomes que ainda não têm.

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