diário, 243

2023, Janeiro, 14 – Tenho de voltar a desenhar: é talvez o único silêncio a que ainda não regressei, nem quando havia uma floresta à minha frente e as aves, pela noite, grasnavam dentro. Gritos que não tocavam no meu silêncio. Um portão de ferro forjado e depois um caminho de terra pisada que se bifurcava. As árvores, tão perto, sempre, a minha medição do tempo, aquela em que me entendia na contemplação da perspectiva do céu, ao fundo da álea de árvores. A noite, incisiva, é uma outra medida do tempo, que ascende da terra, da nossa obscuridade, e julgamo-nos, consumado outro dia, que estamos no cerne da imortalidade, onde a passagem para a travessia do Letes é longínqua. Duas moedas sobre as pálpebras e é tudo. Vivemos apenas uma imortalidade insuficiente que se alimenta do sangue vulgar onde corre a ansiedade da permanência e a liberdade possível, um coração cercado de fios entrelaçados. Aprecio muito o silêncio, mesmo o silêncio do dia, aqui, onde apenas oiço os pássaros, ou quando vou ver o mar. Desço as escadas íngremes da Azarujinha e começo por aí a entrar no silêncio do mar e do vento salso; ouço-lhes as vozes iniciáticas, a passagem do ritual para o silêncio profundo. Quase tudo me remete para o silêncio, em quase tudo procuro o silêncio; o silêncio é a identidade das coisas e a vida a continuidade da sua decifração condenada. Suportar o silêncio é compreender a imobilidade do tempo e das coisas como se fossem desenhadas e, assim, abertas à sua eternidade subjacente.

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