patologia do acaso, diário, 240

2022, Dezembro, 29 – A sombra esmaece o mundo numa semelhança da realidade que a noite dissolve nas horas que excedem a circunferência da terra. A escrita é um limite, claro como a essência da noite, límpido como se as casas resvalassem pelas colinas, lívidas de passados comuns, de gestos repetidos até à morte. Esse limite é azul e petrificado pelo sal do mar. Uma terra de ninguém que a separa do quotidiano vulgar e que se encontra devastada, repleta de cadáveres e de armas adormecidas e de lanças que tocam o sol e de estandartes mortos. Um cheiro agónico de excrementos exala dessa terra sacrificada e trespassa o ar sadio. Memórias épicas onde é forçoso que se enterre os pés na lama profunda e se pise os mortos de feridas abertas regadas a vinho e que ninguém virá suturar. Não há luzes na casa tornada impossível pela noite.

Deixe um comentário